terça-feira, 9 de janeiro de 2007

COISAS DE ANGOLA (7)

O mercado de selos, na capital do país, é completamente dominado pelo sector informal. Na reportagem que se segue, o Jornal de Angola procura, de algum modo, mostrar como funciona o negócio dos selos. Um mercado, segundo as fontes contactadas pelo JA, lucrativo, mas que não deixa de ter o seu lado misterioso, porque, salvo raras excepções, ninguém dá a cara.





COMÉRCIO INFORMAL DOMINA A VENDA DE SELOS EM LUANDA.



Graciete Mayer





Cristina Adelaide, 23 anos, dirige-se ao Serviço Notarial, situado na Marginal de Luanda. O seu objectivo é reconhecer a declaração de compra e venda de um automóvel de marca Peugeot recentemente adquirido. Com o documento à mão, pára à entrada e, pouco depois, é interpelada por cinco jovens. "Madrinha que tipo de selos precisa?", perguntam quase em uníssono os cinco jovens, na perspectiva de buscar alguns trocados.
"Preciso de três selos de cinco kwanzas", respondeu a jovem Cristina, ao que o mais rápido dos cinco jovens se prontificou fornecer sem antes deixar de lembrar que "cada selo de 5 kwanzas custa 50 kwanzas".
Cristina Adelaide, certamente conhecedora do esquema, não titubeou e estendeu os 150 kwanzas para os três selos de cinco kwanzas que necessitava para o processo de legalização da viatura que adquirira recentemente.
Feito o "negócio", dirigiu-se de imediato para o Cartório Notarial.
O processo repete-se. São mais de 15 jovens que diariamente interpelam cidadãos que ali se deslocam para reconhecer documentos. Um deles é o jovem que se identificou apenas por Tozé, de 25 anos. Conta que começou a vender selos há mais de quatro anos, influenciado pelo primo. Diz, entretanto, que no princípio achou que o "negócio" dos selos não ia dar nada, pelo facto de na altura se registar pouca procura.
Hoje, porém, diz que a situação é outra. O negócio é a sua fonte de sustento. Tozé adquire os selos a partir de um jovem que todos os dias de manhã, às 8 horas, e, à tarde, às 14 horas, passa pela marginal de Luanda. Diz que o indivíduo, cujo nome preferiu omitir, é pontual. Normalmente apresenta-se de maneira dissimulada, como se fosse mais alguém que pretende reconhecer um documento.
Com um envelope, no qual transporta uma grande quantidade de selos, é o principal fornecedor de todos os revendedores da Marginal de Luanda.
Pacientes, esperamos até à chegada do misterioso fornecedor de selos. Às 14 horas em ponto lá estava o homem. Interpelado pela nossa reportagem, o "homem dos selos" disse que os revendedores pagam por 50 selos de cinco kwanzas a quantia de mil kwanzas. Trocado por miúdos, os revendedores pagam-lhe 20 kwanzas por cada selo de cinco.
Onde é que vai buscar tantos selos?, quisemos saber, mas o homem, conhecedor da célebre frase de que o segredo é a alma do negócio, foi logo respondendo: "são fontes e eu não posso dizer, madrinha!", para depois subir numa moto e arrancar a toda velocidade.
Em pouco menos de dez minutos, o homem vendeu mais de dez lâminas de selos. Para o leitor ter uma percepção do quão rentável é o negócio, basta dizer que cada lâmina tem o formato de uma folha A4.
Tozé, o nosso cicerone de ocasião, diz, também ele, desconhecer a fonte primária de aquisição dos selos, mas aventa a hipótese de ser alguém do Ministério das Finanças. "Ele vende-nos todo o tipo de selos, principalmente o de cinco kwanzas. Normalmente, o jovem da moto vem sempre de forma camuflada, para não dar nas vistas, o que faz pensar que tem alguém no Ministério das Finanças", refere.
O revendedor de selos acrescenta que existem outras fontes de aquisição, como são os casos do mercado Roque Santeiro, São Paulo, algumas tabacarias, localizadas nas imediações do Ministério das Finanças, que por razões óbvias preferiu não mencionar, e até mesmo algumas Repartições Fiscais de Luanda e de Viana. Diz quem conhece o "metier" que algumas tabacarias da Baixa de Luanda são autênticos serviços notariais, em que o cidadão interessado em tratar qualquer que seja o documento, desde registos criminais a atestados médicos, só tem de largar a quantia exigida. No dia seguinte ou, no máximo, em três dias, o documento chega-lhe de certeza às mãos. Este é também um verdadeiro negócio das arábias.
Mas, voltando ao negócio dos selos, outro estratagema utilizado para adquiri-los em grandes quantidades nas Repartições Fiscais consiste no "trato" com pessoas que trabalham em grandes empresas e que lidam com esse sector público. "Normalmente fazem uma declaração com o objectivo de comprar uma grande quantidade de selos para depois os revenderem ao preço de 900 a 1000 kwanzas aos putos da Marginal e de outros locais de Luanda", disse uma fonte ao "JA".
Há tempos, prosseguiu a fonte, fez um negócio com um jovem trabalhador da Sonangol, que elaborou um pedido para a compra de dez lâminas de selos ao preço de 250 kwanzas cada e foram revendidos ao preço de mil kwanzas. E aponta como principais instituições que efectuam tais operações as do município de Viana e a Repartição Fiscal do 3º Bairro de Luanda.
Conta que são operações muito melindrosas, que em alguns casos envolvem trabalhadores destas repartições fiscais, que, como é evidente, também tiram os seus dividendos. "A vida está difícil para todos, cada um come onde trabalha", disse sorridente.
Uma outra fonte de aquisição de selos é a província do Uíje. O jovem Eduardo Noé, 22 anos, diz que tem comprado a partir de uma senhora que vem do Uíje e traz em média 30 a 40 lâminas de vários tipos de selos de oito em oito dias. Ela vende cada lâmina ao preço de mil kwanzas.
Eduardo Noé, que vende selos há mais de dois anos à frente do Primeiro Cartório Notarial de Luanda, tem lucrado 1.500 kwanzas com a venda de 50 selos de cinco kwanzas.
Diariamente pode chegar a vender uma ou mais lâminas. Tudo depende, também, da localização dos estabelecimentos públicos e do período de matrículas nas escolas, sendo este mês de Janeiro o tempo em que se factura à grande e à francesa.
Actualmente, os selos mais solicitados são os de 5 kwanzas. Os restantes, nomeadamente de 1 kwanza, que por norma era o usual e foi substituído pelo de cinco, tem muito pouca procura. Os de 20, 30 e 50 kwanzas também são pouco procurados.
Além de jovens do sexo masculino, algumas kínguilas optaram igualmente por este negócio, pelo facto de estar a dar muito mais lucros do que vender e comprar dólares. E também por ser mais seguro. Dificilmente os revendedores de selos são importunados pelos ladrões e, muito menos, pelos fiscais, porque é um negócio fácil de camuflar.
Diz quem sabe que vender selos à frente dos notários "é que está a dar".
É o caso de Dona Joaquina, 53 anos, que era kínguila há mais de 10 anos, mas que decidiu enveredar por este negócio, "porque é que está a dar o sustento lá em casa". Diz que o câmbio já deu, mas hoje, estabilizada que está a moeda nacional, o kwanza, "não dá para viver". Ela compra os selos no mercado Roque Santeiro e na Repartição Fiscal de Viana.
Numa ronda efectuada aos Serviços Notariais, Registo Civil, tabacarias, Repartições Fiscais e até mesmo em algumas escolas de Luanda, Jornal de Angola deu conta de uma gritante falta de selos para o reconhecimento de documentos.
Alguns inquiridos alegaram que têm dificuldades financeiras para a sua aquisição. Outros, muito poucos, indicaram que tinham apenas selos de 20, 30 e de 50 kwanzas, enquanto os de cinco kwanzas adquiriam-nos, também eles, na rua, ao preço de 50 kwanzas.
Por isso, muitos são os cidadãos que até hoje desconhecem os locais autorizados a comercializar estampilhas fiscais (selos). Este é o caso de C. André, 23 anos, que diz que há mais de quatro anos que vem comprando selos nas proximidades dos Serviços Notariais de Luanda.
Ele não se lembra de ter alguma vez comprado selos nessas instituições. A informação que sempre recebeu é que deveria adquiri-los fora. Já Eduardo Ambrósio, 40 anos, funcionário público, lembra que antigamente os selos eram comprados nas tabacarias e nos Serviços de Registo Civil.
"Agora nós vamos para estas instituições e quase nunca encontramos selos"", refere, apelando a quem de direito no sentido de normalizar a situação.

1 comentário:

  1. Renato Santos,
    Só hoje e tardiamente, reconheço, te quero felicitar pelas tuas "notícias".
    Venham mais porque a realidade Angolana é, sabemos há muito, algo que surpreende mauitas das teorias expostas por consagrados economistas (isto situando-me no mercado de selos que referes).
    E afinal o "mercado" tem funcionado. E num país onde abundam as riquezas naturais, talvez esta forma de comércio à margem da tributação fiscal não se faça sentir muito. E foi afinal a forma que as populações que afluiram em massa à grande cidade, encontraram para sobreviver. Os vendedores e os compradores, em boa verdade.

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